segunda-feira, 11 de maio de 2009

No dia em que eu vim-me embora (Caetano Veloso)



No dia em que eu vim-me embora
minha mãe chorava em ai
Minha irmã chorava em ui
e eu nem olhava pra trás

No dia que eu vim-me embora
não teve nada de mais

Mala de couro forrada
com pano forte brim cáqui
Minha vó já quase morta,
minha mãe até a porta

Minha irmã até a rua
e até o porto meu pai

O qual não disse palavra
durante todo o caminho

E quando eu me vi sozinho,
vi que não entendia nada
Nem de pro que eu ia indo
nem dos sonhos que eu sonhava

Senti apenas que a mala
de couro que eu carregava
Embora estando forrada
fedia, cheirava mal

Afora isto ia indo,
atravessando, seguindo
Nem chorando nem sorrindo
sozinho pra Capital

Nem chorando nem sorrindo
sozinho pra Capital
Sozinho pra Capital
Sozinho pra Capital
Sozinho pra Capital...

Algumas questões escolares sobre a canção:

1. A ida do eu-lírico sugere uma viagem temporária ou permanente? Retire um trecho da canção que sustente a sua resposta.

2. De onde você acha que o eu-lírico está saindo e para onde ele vai? Fale um pouco sobre onde você acha que ficam esses lugares, o que existe nesses lugares.

3. Você acha que o eu-lírico faz essa viagem por livre e espontânea vontade? Que motivos você acha que fazem com que ele viaje? Comente.

4. O dia dessa partida marcou a vida do eu-lírico, ou foi um dia como outro qualquer? Retire um trecho da canção que sustente a sua resposta.

5. Que idade você daria, aproximadamente, para o eu-lírico? Justifique sua resposta.

6. O terceiro verso da terceira estrofe traz a afirmação "Minha vó já quase morta", mas não diz por que motivo a avó estaria "quase morta". Levante duas possíveis causas para a avó estar nessa condição.

7. A expressão "o qual", no início da 5° estrofe, se refere a quem?

8. Você acha que a falta de diálogo e de palavras entre os personagens se deve a quê?

9. Qual é a reação do eu-lírico antes e durante a viagem? Comente.

10. No 7° parágrafo, o eu-lírico dá uma atenção especial ao cheiro forte de sua mala. O que essa atitude nos diz sobre o eu-lírico e a situação por que está passando?

11. A avó, a mãe, a irmã e o pai acompanham o eu-lírico até diferentes lugares. Que lugares são esses e como isso reflete a forma de encarar a viagem daquele parente?

12. Observe o trecho:

Minha vó já quase morta,
minha mãe até a porta

Minha irmã até a rua
e até o porto meu pai

O qual não disse palavra
durante todo o caminho

Em todos as orações apresentadas no trecho, temos o sujeito no início da oração. Isso não acontece somente uma vez. Encontre o trecho em que há a inversão e explique qual mudança de sentido ocorreria se não ocorresse tal inversão.

13. O ritmo, os instrumentos e a interpretação do cantor guardam alguma relação com o conteúdo da canção? Explique.

Comentários:

Na questão 1, os elementos para resposta são muito mais discursivos (a reação e a importância que damos a uma mudança permanente) que lingüístico (pois "ir-me embora" é expressão usada tanto para viagens passageiras quanto para mudanças permanentes).

Na questão 2, espera-se que o aluno lance hipóteses sobre os lugares de origem (cidade pequena, meio rural, Norte, Nordeste, interior) e de destino (cidade grande). Convém chamar a atenção que, para a poesia, "capital" não quer dizer necessariamente "capital federal" ou "capital do estado", mas, por metonímia, uma cidade grande.

Na questão 3, podemos supor que o eu-lírico não sabe direito o que o espera, mas sabe, mais ou menos, por que está se mudando: para buscar trabalho e melhores condições de vida, e, com isso, tentar de certa amenizar a condição sofrida sua e/ou de sua família. Talvez a indiferença desse jovem se dê por desconfiar (ou ter elementos formados para isso) de que as condições de vida de um jovem trabalhador, em especial nas suas condições, serão também desfavoráveis na grande cidade.

Observe que todos esses fatos não significam necessariamente que o dia da partida tenha sido insignificante (questão 4). O aluno pode levantar essas hipóteses, a partir de fragmentos isolados da canção ("No dia que eu vim-me embora / não teve nada de mais"). Mas, no conjunto, o dia marcou muito o eu-lírico, tanto é que se dispõs a nos contá-lo; além disso, lembrou-se de detalhes corporais (o fedor da mala, o lugar em que estavam os parentes, a cor das coisas) muito precisos.

O personagem que migra o faz de forma um tanto quanto maquinal: sem saber direito por que o faz. O dia não é encantado, mas pesa na memória.

Convém debater também hipóteses (isso não está explícito e não tem uma resposta única) sobre se a família, ou parte dela, influenciara ou obrigara a mudança do jovem.

Na questão 5, temos a suposição de que o eu-lírico seja um jovem (15, 20, 25 anos). São indícios fortes para isso o fato de ter avó, pai, mãe (e irmã morando em casa). Além disso, sugere-se que esteja em início da idade laboral. Convém chamar a atenção para o fato de que existe trabalho infantil e que, principalmente nas regiões mais precárias, o trabalho começa muito cedo (e isso era ainda mais grave na época da confecção dessa canção).

Questão 6: a reação feminina (irmã e mãe) é bem diferente da reação masculina (pai; mais frio). Isso está marcado inclusive na bela gradação que a música contrói: a avó (morta sabe-se lá se de tristeza ou de doença), a mãe até a porta, a irmã até a rua e o pai, mais forte, até o porto.

A fraqueza da avó, portanto, pode ser por doença (o que reforça o cenário de precariedade que impulsiona a mudança do jovem) ou por tristeza demasiada (uma vez que as mais tristes e temerosas são elencadas primeiro, até chegar ao pai indiferente: avó, mãe, irmã, pai).

A questão 7 é mais de coesão e coerência textual. A expressão "o qual" é uma anáfora (substitui um termo antes dito) que se refere ao "pai". Para perceber isso, o aluno deveria perceber que o pai foi o último elemento citado na estrofe anterior.

A questão 8 ficou propositalmente aberta demais, para dar chance de os alunos
pensarem. Se for o caso, podem ser lançadas algumas pistas:
a) como o momento era de forte emoção, faltaram palavras aos personagens;
b) a vida do lugar onde eles vivem acaba marcando o jeito de ser dos personagens;
c) como o personagem está sendo arrastado pelo "destino", sem saber direito o que espera por ele, a situação provoca uma reação ao mesmo tempo de susto e de indiferença.

A questão 9 se relaciona com a questão 10. A 10 tenta chamar a atenção para o fato de que os aspectos corporais falam muito mais alto que o aspecto meramente espiritual. Como não há alegria, nem tristeza, só silêncio e espanto, o que o eu-lírico "sentia" (7a. estrofe) era o fedor da mala.

Questão 11: Ao silêncio do pai e dos personagens, os aspectos físicos (a mala que cheira mal) vão ganhando destaque; é também um lado simbólico, são símbolos de que aquela migração era pura necessidade, são símbolos de tempos duros, sobretudo no sertão.

A questão 12 envolve gramática e sentido. O verso "e até o porto meu pai" é o único em que o sujeito aparece depois do predicado. Trata-se de oração porque o verbo está oculto ("e até o porto [foi] meu pai").

A inversão se dá porque, na seqüência, a letra continua falando do pai ("o qual não disse palavra"). Caso "pai" viesse antes de "porto" (sujeito no início da oração), "o qual" (pronome masculino singular) não se remeteria mais a "pai" e sim a "porto", que seria o último substantivo masculino no singular.

Além dessa explicação, existem outras: a) questões estilísticas, b) quebrar a monotonia do texto, c) recurso usado no gênero "poema" para dar mais força à expressão...

Questão 13: uma resposta possível é a que aponte para a lentidão do ritmo no início da canção, além de o instrumental (um teclado em string ou estilo "órgão", os acordes secos da guitarra...) e de a impostação de voz do cantor sugerirem um tom de "lamento", coerente com o conteúdo da canção. Momento para se discutir algo próprio do gênero "canção popular": a junção letra-música.

Mas, cuidado... São possibilidades de interpretação. Não quer dizer que as escolhas foram "conscientes", o que não desmente o fato de que elas tenham sido "bem feitas". Em última instância, letra e música guardam certa independência, têm suas lógicas próprias: evitemos, portanto, interpretações forçadas demais.

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