Às vezes, incluo nesse blog textos que não diretamente falam de humor, ou porque, à minha leitura, trazem um humor muito sutil, ou porque trazem algum procedimento que guarda semelhanças com a produção e a leitura do humor. Isso me faz pensar que seja possível rir de qualquer coisa; ou seja, acho que há risibilidade em todo o dizer. Não vou defender o subjetivismo, para quem bastaria dizer que toda pessoa pode rir de qualquer coisa, por razões da ordem da individualidade. Não vou me eximir de apontar uma explicação que seja.
Podemos pensar isso pela via discursiva. O riso pode ser um indício da presença do outro no dizer, no ler, no rir. Isso pode ser pensado em termos de interdiscurso, de heterogeneidade discursiva, de polifonia, de polissemia; mas aqui não vou me deter nesses conceitos. Todo dizer é rísivel, então, porque todo dizer nos traz um outro.
Vou me deter em um tipo de riso: é muito comum rirmos de algo que alguém disse com seriedade, disse sem a menor intenção de provocar um riso (ou aquele riso específico que lhe devotamos).
Isso ocorre quando esse alguém é, em algum sentido, reconhecido como nosso adversário. Tão tolo quanto achar que "quem cala, consente" é pensar que "quem ri, consente". Toda proposição seria passível de humor, aos olhos do sujeito-interlocutor, porque toda proposição é passível de ser questionada, é passível de ser vista de um "outro" lugar. Um hipotético ateu, por exemplo, pode achar graça de alto tão sagrado como isso que aparece na sinopse de um DVD bíblico:
"Nossos interiores estão destruídos e precisamos de transformações. Somente o Senhor Jesus Cristo que ressuscitou pode transformar medo em confiança, transformar insegurança em segurança, dor em alívio. A Bíblia diz que o mesmo poder que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos é o poder que opera em nós."
Esse mesmo ateu pode também dar risada de um discurso inverso, sobre o mesmo tema, como o deste trechinho de "O Evangelho Segundo Jesus", de José Saramago:
"Neste lugar, a que chamam Gólgota, muitos são os que tiveram o mesmo destino fatal e outros muitos o virão a ter, mas este homem, nu, cravado de pés e mãos numa cruz, filho de José e de Maria, Jesus de seu nome, é o único a quem o futuro concederá a honra da maiúscula inicial, os mais nunca passarão de crucificados menores."
Ora, me parece que, sendo um mesmo sujeito, não é um mesmo riso, dado o contraste discursivo e este contraste comportar um aspecto constitutivo de sujeitos (crer ou não, crer ou não nesta divindade).
No caso do DVD bíblico, nosso ateu hipotético estaria rindo da ingenuidade da afirmação. Poderíamos dar a este riso o nome de riso irônico, porque, assim como a ironia, o riso estaria funcionando como um "sim" invertido ("não tenho motivos para me alegrar com isso; estou me alegrando para manifestar o contrário: minha indignação"). É como se o riso marcasse um "não" do sujeito que lê antes de todo aquele dizer.
No caso do texto de Saramago, nosso mesmo ateu estaria rindo junto com Saramago (mesmo que Saramago não esteja buscando a graça, ou melhor, o humor) e contra aqueles que divinizam Cristo etc. A este riso, poderíamos dar o nome de riso aclamativo, no sentido que funcionaria como palmas favoráveis ao dizer que confronta uma outra posição, pressuposta ou subentendida (a posição dos cristãos). O riso é, então, favorável a uma posição discursiva exatamente na medida em que reconhece uma posição discursiva contrária, uma "outra" posição.
Por diferentes que sejam, os dois risos são interdiscursivos, isto é, são indícios da reentrância de posições discursivas. É claro que um ateu (diferente do nosso ateu hipotético) pode não achar graça em nenhum dos dois trechos, pois outros fatores estão em jogo. O interdiscurso dá condições para que um dizer sério seja lido com humor; não o obriga ser lido assim.
Oi. Bem interessante teu blog também. :) Abraço
ResponderExcluirValeu rodrigo... estou precisando mesmo de umas camisetas personalizadas.
ResponderExcluirMuito interessantes suas colocações sobre o humor e os risos.
ResponderExcluir