[English]
Eleven tons of human hair was stolen from a wig factory in West Fliptown this morning.
Police are combing the area.
[Português]
Onze toneladas de cabelo humano foram roubadas de uma fábrica de perucas em Fliptown Oeste esta manhã.
Os polícias estão fazendo uma operação pente-fino na região.
[Tradução]
A chave está na palavra "combing", que pode significar 1) "penteando" (o cabelo) ou 2) "vasculhando". Em português, a melhor tradução para 2) seria, considerando toda a última frase, "Os policiais estão fazendo uma operação pente-fino na região". "Operação pente-fino" significa "operação minuciosa de busca". Também teria a ver com cabelo e seria uma expressão policial mais corrente em português. Seria interessante descobrir se essa expressão portuguesa tem alguma origem em "combing" (ou vice-versa, algo menos provável, afinal, os colonizados somos nós).
Perceba a quebra de parágrafo. Essa interrupção separa não somente o roubo dos cabelos da ação policial de busca. Tem um efeito suspensivo para enfatizar o que virá posteriormente. Se quisermos encenar em voz alta, poderíamos, ainda, mudar a entonação nessa pausa: a impostação de voz séria da primeira parte daria lugar a uma mais debochada na segunda, recurso prosódico muito usado nas contações de piadas.
A brevidade da última frase serve para sugerir, ironicamente, que aquele assunto é "ridículo" (passível de riso, não sério para ser noticiado, por isso, "vamos mudar logo de assunto"). A frase é curta para nos assustar, para nos golpear desprevinidos. A brevidade, marca lingüística do humor, pode ser expressa em uma lei em geral seguida: o máximo de sentido para um mínimo de suporte. Ou, para adaptar esse enunciado aos conceitos de Saussurre: o máximo de significado para um mínimo de significante. Ora, o humor emerge na perambulação entre dois sentidos possíveis.
Seria equivocado dizer que um dos sentidos para "pente" seria literal (o artefato de ajeitar o cabelo) e o outro, figurado (a operação de busca), pois seria negar a materialidade e a polissemia e aceitar que um significado literal está lá, sempiternamente atrelado a uma coisa ou a uma só coisa. A palavra "chegar" vem do latim "plicare", que significa "dobrar"; "dobrar" era o ato que os navegantes realizavam ao "chegar" de viagem. Apesar disso, nenhuma gramática tradicional diria que o verbo "chegar" é figurado, pois já estaria literalizado. Com esse exemplo, quero dizer que os critérios para dizer se uma palavra é literal ou figurada podem ser subjetivos e variados (por exemplo, considerar ou não a história semântica e morfológica). Apesar de também complicada, prefiro a diferenciação entre sentidos abstratos e concretos, nunca deixando de analisar a situação da ocorrência. Nesta piada, o sentido mais concreto (tocável) seria o 1) (o artefato de ajeitar o cabelo) e o sentido mais abstrato seria 2) (a operação de busca).
Maingueneau (Análise de textos de comunicação) trabalha com a noção de "cenografia"; o gênero desse texto continua sendo "piada", e essa piada trabalha com a cenografia de "notícia" (uma notícia rápida de jornal impresso, ou, mais possivelmente, falado). A "dicção" da piada é própria dos gêneros "notícia" e reitera um discurso hegemônico no campo jornalístico: a síntese de informações ("tempo é dinheiro"), nível de relevância (a curiosidade pode fazer que algo a princípio não relevante se o torne), presentificação da informação, pseudo-realidade. Por essa razão, a localização (West Fliptown), que nesse caso poderia ser desnecessária à piada, se faz relevante para reforçar a verossimilhança jornalística, mantendo assim a ambigüidade piada / notícia.
Se não soubermos a priori que se trata de uma piada, ela pode ficar ainda mais engraçada e interessante de ser analisada. Começamos a ler / ouvir como se fosse uma notícia (gênero e cenografia) e, ao final, seríamos surpreendidos não só pela ambigüidade da palavra "combing" mas também pela ambigüidade do gênero em questão (piada ou notícia), até resolvermos (e rirmos de nosso achado) com a diferenciação: gênero piada e cenografia notícia.
Dentre as teorias do humor, existe a do humor como superioridade. Thomas Hobbes disse que "o riso é um tipo de glória repentina". Ou, atualizando, um narcisismo repentino, e narcisismo não tem necessariamente um sentido repugnante. Quando percebemos algo absurdo e depois conseguimos conformar aquilo em nosso conhecimento de mundo, rimos de alívio! Ou seja (de volta à piada), estamos lendo / ouvindo como se fosse uma notícia, depois nos assustamos com o desfecho e, ao percebermos se tratar de uma piada, rimos, contentes por termos decifrado a simulação noticiosa (e seu porquê) e aliviados por não ser aquilo uma notícia, por policiais não estarem passando de fato o pente nos cabelos roubados. Quando não encontramos a "graça" da piada, nosso narcisismo reage de outra forma: pode surgir o constrangimento (um silêncio ou um rir simulado), a curiosidade ("não entendi, explica de novo"), a ira (revoltar-se contra quem contou a piada e contra quem a entendeu).
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