segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007
Inclusão, do portão pra fora
Angeli. FSP, 16/02/2007.
A posição presente na charge é que a inclusão desejada ou permitida pelos ricos é hipócrita, limitada (do portão pra fora). A boa intenção da madame (ou das madames) cessa com a primeira linha da legenda. A última frase reforça o distanciamento social entre "ricos" e "pobres". O termo "só" inagura a condição para o que foi dito anteriormente: desde que aguardem do lado de fora do portão. "Só" é aqui um marcador reformulativo, que isola dois discursos: o da hospitalidade caridosa (antes; politicamente correta) e o do distanciamento caridoso (depois).
Forçando um pouco a leitura, poderíamos dizer que as duas formas de caridade, no fundo, são vistas pelo "eu-lírico" chargista como farsantes e não "includentes" de fato, pois mantém a mesma divisão social; o lado "de cá" da divisão é o dentro do portão, cuja metáfora é o dentro do "café" chique em que as madames estão. Ainda que elas deixassem o pobre entrar, o cenário e o figurino marcam o lugar de onde aquelas interlocutoras enunciam. "Interlocutoras" no plural, pois temos sugerido que, embora seja só uma que tome a palavra, é algo que parece ser compartilhado pela outra em silêncio. A em silêncio fala também pela locutora, e a que fala talvez só fale para aquela, no jogo de imagens da enunciação.
Lembro-me que tive na mão certa vez um livro chamado "Manifesto comunista em quadrinhos". O que interessa aqui era a forma como os capitalistas figuravam no começo do livro: gordos, soberbos, opulentos. Assim também Eisenstein retratou os adversários dos trabalhadores e dos bolcheviques em "O Encouraçado Potemkin" e em "Outubro". Quero dizer que os adversários são sempre retratados com opulência, praticando, em geral, de um a todos dos sete "pecados capitais". Creio ter nessa convenção um índice para supor o lugar do autor na charge em questão (além do ethos chargista, que pretendo desenvolver em um outro texto). Embora as mulheres não sejam gordas (podem ter feito lipoaspiração), são opulentas, e o cenário é luxurioso e colabora para que usurpemos mais credibilidade da "boa intenção" enunciada.
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