quinta-feira, 14 de junho de 2007

O implícito no estudo das charges















Angeli. FSP, 21/05/2007.

Depois de um tempo, esse negócio de analisar parece um pouco repetitivo. Analisar esta charge seria falar de novo várias coisas que eu já disse na análise de charges anteriores. Leitor, leia-as, e nos poupe!

Vou começar, então, por um viés novo. Ducrot, em "Princípios de Semântica Geral - Dizer e não dizer", faz um estudo sobre o implícito. Implícito seria aquilo que pode ser deduzido ou do enunciado (do dito) ou da enunciação (do dito nas condições em que é dito). Esta charge faz parte de uma série de charges de Angeli que possuem a mesma estrutura superficial: uma frase no topo, que nos sugere ser uma manchete de notícia, e um desenho (às vezes desenho + fala) ressignificando aquela frase. Essa ressignificação deve ser algo de certa forma inesperado pelo leitor, o que ajuda o humor. A conclusão deve nos aparecer como um "sempre lá" do anterior, no caso, da frase inicial: o sentido inesperado poderia ser implicitado daquela frase.

Pois bem, o implícito seria então o que de não-explícito podemos ou reconstituir ou recriar de um enunciado / de uma enunciação. O sentido implícito não pode ser entendido nem como uma corrupção da boa comunicação lingüística (sic), nem como algo dado empiricamente em todo e qualquer enunciado (se nem o explícito o pode). A depender do caso, a origem do implícito pode ser buscada no locutor, no interlocutor, em ambos, no lapso, na situação, nas condições históricas de produção, na memória, no interdiscurso, no intertexto etc. Para usar de um exemplo do próprio Ducrot, podemos elogiar Paulo não para enaltecer Paulo, mas para dar um modelo a Pedro (não sei se é esta ordem que Ducrot usa, mas ela me agrada).

Nesta charge, a "manchete" deve ser lida em um sentido sério (esperado de manchetes de textos sérios). "Ações contra corrupção aumentam índices de violência" pode querer significar, neste uso sério, que uma corrupção desvendada representam um incremento nos dados estatísticos sobre criminalidade (embora possa-se dizer que "criminalidade" não esteja contido em "violência"). Se recusarem minha leitura, podemos dizer que nenhum sentido muito preciso é dado na "manchete", e, com isso, ela não traria um sentido explícito inicial; só é possível lê-la ao final da leitura da charge. Continuo defendendo minha leitura inicial, para que o arremate humorístico da charge tenha um ponto a partir do qual possa deslocar-se.

O texto ao rodapé da charge é atribuído (apesar de não haver "balões") ao "nós" daqueles personagens. Outro implícito ou, neste caso, pressuposto da ordem das imagens (sim, podemos tentar aplicar isso não só à linguagem verbal) seria que aqueles corruptos ainda não foram descobertos (não fazem parte dos índices), pois haver piscina é uma cena validada para "liberdade", e liberdade com dinheiro (uma versão pocket de um cenário paradisíaco).

Ainda que a frase do topo não seja uma manchete, tem uma constituição parecida com uma manchete: caráter sintético, geral, apresentativo; estar ao topo etc. Em geral, o gênero (ou sub-gênero, ou componente de gênero) "manchete de notícia de jornal" traz algo que depois será explicado, justificado. Um novo sentido (uma nova significativa para o aumento da criminalidade) é atribuído àquela manchete, e esse implícito estava "sempre lá" (daí sua reconstituibilidade) como possibilidade, para a qual não nos atentamos. Retroagimos nossa leitura, ressignificando a manhete; porém, o sentido inicial não é perdido; ainda permanece, chocando-se polifonicamente com o sentido novo (engraçado). Não houvesse esse choque, não acharíamos graça nenhuma.

Isso se torna possível pelo caráter lacunar daquela (ou do gênero) manchete; e, poderíamos dizer, da língua de uma forma geral.

Reconhecemos como uma boa leitura de charge (também de piadas) aquela que recupera um implícito engraçado imaginado pelo autor / pela fonte. Mas, em outros casos (e eventualmente em alguma charge), o interlocutor (a chegada) pode fazer graça com algo que o locutor / autor não se apercebeu ao dizer.

O implícito interessa à leitura do humor porque este muitas vezes consiste na descoberta a posteriori de um não-óbvio, em uma frase exemplarmente permissiva aos sentidos, à polifonia. O antes e o depois muitas vezes são o choque entre posições locucionais (dois sujeitos diferentes que falam, como é o caso) e enunciativas (duas posições diferentes que falam, como é o caso). Se este não-óbvio for um não-óbvio difícil a uma primeira leitura, mas facilmente reconstituível em uma segunda, tanto melhor para o humor.

Um comentário:

  1. dirce navroski13/07/2009, 08:21

    Muito bom devo trabalhar com meus alunos este tipo de texto

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