domingo, 17 de junho de 2007

Vencedor do Grande Desafio, domingo, dá nome a asteróide

O título desta postagem é uma manchete do portal da Unicamp, de 15/06/2007.

A chamada na página inicial nos esclarece um pouco aquela estranha manchete:

"Estudantes do ensino fundamental e médio mostram neste domingo, das 9 às 17h30, no Ginásio Multidisciplinar da Unicamp, os trabalhos que produziram para o Grande Desafio. O vencedor do evento organizado pelo Museu Exploratório de Ciências dá nome a um asteróide."

Para ler a matéria inteira, clique aqui, ou melhor, aqui.

Muito engraçada a manchete e a chamada. Um asteróide foi descoberto, e o garoto ou a garota que vencer o tal Grande Desafio na Unicamp tem o direito de dar um nome a essa coisa celeste. Uma "brincadeirinha", uma "gincaninha" (desculpem-me, é um Grande Desafio) vai servir para nomear um asteróide. Mas, quantos e quantos asteróides não foram nomeados "do nada" por vários cientistas? Pode-se dizer que eles tenham mais autoridade; mas o ato de nomeação feito por eles é tão casual quanto o desta gincana. O fato é que atribuímos às palavras uma relação necessária (no sentido filosófico) com as coisas. "É óbvio que mesa é mesa". Como se, inclusive, o nome fosse sempiterno; lembremos que "mesa" vem do latim "mensa" (mas isso já é uma outra história).

O exemplo daquela nomeação de asteróide parece servir para questionar a ilusão da relação de necessariedade nome-coisa.

Lembrei-me do livro de Foucault, "As palavras e as coisas". Ou mesmo do velho Saussure no "Curso de Lingüística Geral". De fato, parece-me haver total arbitrariedade entre significante e significado; isto é, a junção entre significante e significado (ou, em termos mais chulos, som e sentido) seria casual. Do que decorre que um nome seria arbitrariamente atribuído a alguma coisa.

Se eu ganhasse esse Grande Desafio, poderia dar ao asteróide o nome de Mazzaroppi ou de Mesa, ou de KLB. Não sei se aceitariam, pois poderiam tentar restringir minha arbitrariedade: "por que não o nome de um ciclope da mitologia grega?", diriam-me. Mas, os nomes desses ciclopes, ao serem dados pelos gregos de então, também seriam arbitrários, ou se relacionavam a outra coisa naquela Grécia (da mesma forma, arbitrariamente). Ora, ainda assim há arbitrariedade, porque, mesmo minha escolha sendo motivada pela mitologia, poderia sempre ser uma outra.

A famosa passagem de Mallarmé parece-nos calhar: "Un coup de dés jamais n'abolira le hasard" (Um lance de dados jamais abolirá o acaso).

Pressupomos que haja uma convenção internacional que valide a escolha do nome daquele asteróide. E pressupomos que os organizadores do Grande Desafio (do "Museu Exploratório") descobriram ou têm relação com quem descobriu o tal bicho, para que tenham o direito de deixar alguém nomeá-lo. Podemos até entender, pela manchete e pela chamada, que o nome do(a) vencedor(a) será o próprio nome (próprio) do asteróide (o que ainda seria algo arbitrário): "A vencedora é a Marília; então, o asteróide passa a se chamar Marília" (ou "passa a ser chamado de Marília"). Não há nada na manchete e na chamada que desautorize essa leitura; somos nós leitores que implicitamos não deva ser assim. Seguindo em frente: pensamos que, por estar no portal da Unicamp, isso não seja um trote (ops). Uma vez nomeado, todos os astrônomos e todos os que venham a falar desse asteróide terão que chamá-lo de X. Mesmo assim, mesmo nesse caso em que há uma institucionalização do nome (um batismo), pode ser que ele demore a pegar. O nome é algo que demora; demora a pegar e pode demorar a largar.

E. Guimarães, do ponto de vista de sua semântica enunciativa, dirá, a respeito dessas nomeações, que elas possuem um passado, um presente e um futuro. Exemplo: os pais resolvem batizar o filho de "José"; há um passado bíblico-católico (mesmo se os pais forem protestantes, diga-se), uma memória que pode estar dando um sentido a essa nomeação; há um presente, por exemplo quando o pai diz ao escrivão o nome do filho; e há um futuro, pois toda vez que alguém se referir àquele ser, o chamará de "José" (e posteriormente poderão lhe dar um apelido). Esse exemplo da nomeação (nomes próprios) pode de certa forma ser extendido a qualquer nomeação ou até mesmo às referenciações. Podemos ressignificar algo usando seu velho e bom nome, mas podemos fazer isso com um nome novo ou diferente; o velho exemplo de chamar "ocupação" o que outros chamam de "invasão", ou vice-versa. Ou seja, uma mesma coisa pode ter dois ou mais nomes. E, também, um mesmo nome pode ser atribuído a coisas diferentes.

O foco, desta posição e da posição discursiva, é, então, outro: tudo bem que o signo e a nomeação sejam arbitrários, mas o que é relevante em termos lingüísticos é procurar sua justificativa na materialidade histórica, na memória discursiva, nas condições de produção daquela nomeação; não se trata de uma relação mecânica, é claro, mas como possibilidade (no exemplo, a possibilidade daquele menino, nascido daquela família, ser chamado "José" está, por razões discursivas, mais dada do que a de ele ser chamado Mohammed). Interessante pensarmos que dizer "Eu me chamo X" pode ser parte do que a Análise do Discurso chama de ilusão do sujeito; esconde que "Eu fui chamado X", "Eu sou chamado X".

Benveniste (Problemas de lingüística geral), tomando outro foco, vai dizer que significante + significado, uma vez constituídos em signo, formam um todo não-arbitrário, podendo ser arbitrária a relação desse todo com um referente (algo do mundo). Ou seja, o signo não é arbitrário; a relação ente signo e referente pode sê-lo. Assim, o significante "rosa" tem como significado invariavelmente e necessariamente aquele tipo de flor (esse semi-referente embutido no significado é necessário, obrigatório); e, num segundo momento, esse signo "rosa" (significante + significado) pode designar outra coisa ("qualquer ser que tenha por atributo a beleza", por exemplo, como na frase "Maria é uma rosa"), pode se referir a algo diferente no mundo, em um uso idiossincrático, metafórico, que é posto sempre em relação ao significado literal.

Posição mais complicada parece ser a de Jakobson. A relação entre significado e significante não seria totalmente arbitrária; poder-se-ia encontrar na imagem fônica da palavra (significante) algo que tem a ver com o que a palavra denota (seu significado). Poderiam ser exemplos em português: "pico" tem uma sonoridade breve e ríspida (porque designa algo no mundo que é íngreme), ao passo que "montanha" é uma palavra maior e não tão ríspida (porque designa algo no mundo que é mais extenso e menos íngreme que "pico"). Poderíamos, então, comparar palavras aos pares e ver que elas estão nas coisas, ou as coisas nelas. Penso que isso pode até servir à composição poética; mas, não serve para explicar a língua. Poderíamos citar uma série de palavras em que a não-arbitrariedade de Jakobson não é encontrada (a palavra "montanha" poderia ser considerada uma palavra plana); ou poderíamos forçar a barra para a encontrarmos sempre (o "t" dá idéia de relevo e "mon" e "anha" dão idéia de acúmulo). Mesmo as onomatopéias não são dados empíricos; um russo talvez não ouça um bem-te-vi dizer "bem-te-vi". E não há nada no canto desse bicho que nos obrigue a chamá-lo assim; não chamamos um pato de "quá-quá", se é que pato diz (ou melhor, faz) "quá-quá".

7 comentários:

  1. Muito interessantes os textos! Valeu

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  2. isso aí em cima mais parece um span genérico...

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Apenas para atualizar.

    Existe uma comissão que registra e normatiza a nomeação dos astros celestes. O direito de dar um nome a um asteróide, ou outros corpos celestes, é da pessoa que o descobre. Existem restrições, entre outras a de não fazer propaganda ou auto-promoção (a Marília não poderia chamá-lo de Marília). No caso em questão, a equipe decidiu chamar o asteróide de "Ourinhos", nome de sua cidade.
    Foram recebidos com "sessâo solene" na Câmara dos Vereadores local.

    Este ano tem mais um Grande Desafio, é depois de amanhã, mas nada de asteróide.

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  7. Olá, mfirer...

    Muito obrigado pela visita e pela importante atualização.

    De fato, não entendo muito de asteróides.

    Espero que você tenha entendido o teor do texto, sem ressentimentos.

    Diga aí, qual será o Grande Desafio desse ano?

    abraços

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