sexta-feira, 3 de abril de 2009

Recursos Concurso FGV 2008 - Prefeitura de Campinas

As primeiras 15 questões (Conhecimentos Gerais) são comuns a todas as provas da tarde. Desculpem-me pela linguagem formal demais; é que esses recursos foram de fato enviados para a banca organizadora.


Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Língua Portuguesa. Questão: 10 – Anulação da questão.

10. Assinale a alternativa em que tenha havido uma troca da palavra correta por outra provocando inadequação de sentido na frase.
(A) Como queria que ninguém me visse, fiz de tudo para passar desapercebido pela multidão.
(B) Tomei aquela atitude por descargo de consciência.
(C) Tive de reabastecer minha despensa.
(D) Amanhã haverá mais uma sessão de imprensa para avaliar o filme a ser lançado brevemente.
(E) Receberemos uma quantia vultosa por aquele simples serviço.

Gabarito inicial e final: A. A banca não acatou os recursos.


O gabarito inicial aponta que a palavra “desapercebido” em “Como queria que ninguém me visse, fiz tudo para passar desapercebido pela multidão”. A sugestão da banca era que o termo em tela deveria ser substituído por “despercebido”.

Observando o conceituado “Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa” (www.houaiss.uol.com.br), temos as seguintes acepções da palavra “desapercebido”:

“desapercebido
Datação
sXV cf. IVPM
Acepções:
■ adjetivo
1 que não está preparado; sem munições, provisões; desaparelhado, desmunido
Ex.: exército d.
2 (sXVIII)
que está fora de sua guarda; desacautelado, descuidado, desprevenido
Ex.: viu-a d. e roubou-lhe a bolsa
3 não percebido, de que não se tem conhecimento, não observado; despercebido
Ex.: evolução d. aos cientistas
4 que não se sentiu; despercebido
Ex.: picada d.” (grifo meu)

Esta douta banca provavelmente tenha considerado apenas a acepção 1 acima, por sinal, a mais usual. Porém, conforme a acepção 3, o período apresentado pela alternativa A está perfeitamente correto.

Como não há “alternativa em que tenha havido uma troca de palavra correta por outra provocando inadequação de sentido na frase” (assim pedia o enunciado da questão), proponho que esta douta banca proceda à anulação da questão.


Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Conhecimentos Gerais. Questão: 14 – Anulação da questão.

14. O movimento da década de 30, no Brasil, implementado por educadores como Anísio Teixeira e Lourenço Filho, de extrema importância para a formação do pensamento pedagógico no Brasil, ficou conhecido como:

(A) Educação para Todos.
(B) Movimento Pioneiro Escolanovista.
(C) Campanha Nacional para uma Educação de Qualidade.
(D) Movimento por uma Educação Popular.
(E) Otimismo Pedagógico.

Gabarito inicial: E. Gabarito final: B. A banca acatou os recursos.


A nosso ver, a questão cometeu um equívoco, que em muito prejudicou os candidatos que possuem uma visão geral sobre a história da educação no Brasil. Por considerarmos que tal questão (de tipo objetiva) apresenta duas alternativas igualmente válidas, solicitamos que esta douta banca avalie, em favor do máximo interesse público, a anulação da questão.

Anísio Teixeira e Lourenço Filho encabeçaram um movimento por mudanças do paradigma educacional, movimento que ficou marcado pelo Manifesto da Escola Nova (em 1932). Assim, a alternativa B está correta, porque era de fato um “Movimento”, e seus protagonistas eram denominados de “pioneiros da Escola Nova”. Esse movimento se agrupou em torno do “Manifesto Pioneiro da Escola Nova”, sendo, por isso, muits vezes chamado de Movimento Pioneiro da Escola Nova.

A banca deve ter pretendido identificar o nome exato do Movimento. Apesar de não concordarmos com esse tipo de preocupação (muito pontual e que prejudica os candidatos com uma visão mais sistemática), este recurso não pretende perquirir esse mérito, mas sim conservar-se no exame da incorreção do gabarito inicial.

Ora, se de fato a banca considerava que tal movimento não se chamava “Movimento Pioneiro Escolanovista”, a banca deve supor que haja um nome inequívoco para esse Movimento, pois somente por esse raciocínio poderíamos dizer que a alternativa B é incorreta.

Porém, a questão da nomenclatura de movimentos é, tradicionalmente, um tanto quanto fluida. E assim se dá também quanto ao movimento em análise.

Uma pesquisa no Google pela expressão “Movimento Otimismo Pedagógico” somente retornou duas ocorrências, o que indica a imprecisão, também, desta expressão. De modo que a precisão que a banca julgou haver para descaracterizar a alternativa B não parece existir em relação ao referido Movimento, que é nomeado por formas várias em trabalhos acadêmicos.

Sabemos que, por uma relação metonímica, muitos movimentos acabam absorvendo o nome de seus manifestos. Assim ocorreu com os movimentos vanguardistas de arte e política no início do século, conhecidos por seus respectivos manifestos (nesse sentido, ver TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda européia e modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1990, Introdução).

Exatamente pelo fato de o Manifesto ter se chamado “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova” (1932; ver, por exemplo: http://pt.shvoong.com/social-sciences/education/1709158-manifesto-dos-pioneiros-da-escola/), é possível dizer, se abrirmos mão de um preciosismo que parece não ser pertinente ao caso (que se refere a um Movimento de nomeação vária), que o manifesto sintetiza um Movimento dos Pioneiros da Escola Nova (como afirma a alternativa B).

Considerando, assim, que a denominação “Otimismo Pedagógico” ou “Pioneiros da Escola Nova” são igualmente aplicáveis e buscam caracterizar as mesmas bandeiras, de um mesmo conjunto de intelectuais, em um mesmo período histórico, requeremos a esta douta banca que analise a justeza da anulação da questão, uma vez que duas das cinco alternativas são igualmente válidas para se denominar o Movimento encabeçado por Anísio Teixeira e Lourenço Filho.

Ainda que a nomenclatura do Movimento possa não estar apresentado da maneira mais precisa (e buscamos apontar que tal precisão é injustificável para o caso), a alternativa B também atender, vis a vis, o enunciado da questão.

Apresento abaixo o texto da entrada “Escola Nova” na Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_Nova), que destaca a participação dos dois referidos protagonistas no movimento em favor da Escola Nova durante a década de 30. Era exatamente o que solicitava o enunciado da questão.

O movimento chamado Escola nova esboçou-se, na década de 1920, no Brasil.

O mundo vivia, à época, um momento de crescimento industrial e de expansão urbana e, nesse contexto, um grupo de intelectuais brasileiros sentiu necessidade de preparar o país para acompanhar esse desenvolvimento. A educação era por eles percebida como o elemento-chave para promover a remodelação requerida.

Inspirados nas idéias político-filosóficas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, esses intelectuais viam num sistema estatal de ensino público, livre e aberto, o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais da nação.

Denominado de Escola Nova, o movimento ganhou impulso na década de 1930, após a divulgação do Manifesto da Escola Nova (1932). Nesse documento, defendia-se a universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre os seus signatários, destacavam-se os nomes de:

* Anisio Teixeira - futuro mentor de duas universidades no país - a Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, desmembrada pelo Estado Novo de Getúlio Vargas - e a Universidade de Brasília, da qual era reitor, quando do Golpe Militar de 1964. Além dessas realizações, Anísio foi o fundador da Escola Parque, em Salvador (1950), instituição que posteriormente inspiraria o modelo dos Centros Integrados de Educação Pública - CIEPs, no Rio de Janeiro, na década de 1980.
* Fernando de Azevedo (1894-1974) - que aplicou a Sociologia da Educação e reformou o ensino em São Paulo na década de 1930
* Lourenço Filho (1897-1970) - professor
* Cecília Meireles (1901-1964) - professora e escritora

A atuação destes pioneiros se estendeu pelas décadas seguintes sob fortes críticas dos defensores do ensino privado e religioso. As suas idéias e práticas influenciaram uma nova geração de educadores como:

* Darcy Ribeiro (1922-1997); e
* Florestan Fernandes (1920-1995).

Por considerarmos que tal questão (de tipo objetiva) apresenta duas alternativas igualmente aceitáveis, solicitamos que esta douta banca avalie, em favor do máximo interesse público, a anulação da questão.


Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Conhecimentos Específicos. Questão: 16 – Mudança de gabarito.


16.
“Em nenhum lugar se formula explicitamente uma tese sobre as línguas, alguma hipótese sobre o que teria sido uma língua sem essas características, ou o que é mesmo – se é que seria possível – uma língua expurgada de palavras ou expressões preconceituosas. Às vezes, parece que do movimento deveria emergir uma vaga língua ‘originária’ (que a etimologia recuperaria), ou uma língua em que palavras são substituídas por descrições. Mas nada é claro, nenhuma tese é
explicitada.” (L.15-23)

A respeito do trecho acima, analise as afirmativas a seguir:

I. O vocábulo “originária” apresenta a mesma base de sentido que “oriental”.
II. A informação entre parênteses se refere ao sentido de “originária” como “aquilo que se levanta”, reforçando o sentido de “emergir”.
III. A informação entre travessões e a entre parênteses apresentam o mesmo plano de produção de sentidos: o nível metalingüístico.

Assinale:
(A) se apenas as afirmativas I e II estiverem corretas.
(B) se apenas as afirmativas I e III estiverem corretas.
(C) se apenas as afirmativas II e III estiverem corretas.
(D) se nenhuma afirmativa estiver correta.
(E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

Gabarito inicial e final: C. A banca não acatou os recursos.

Parece-me que esta douta banca equivocou-se na escolha do gabarito desta questão.

A banca considera que os itens II e III estão corretos, quando, na verdade, estão flagrantemente equivocados.

A melhor resposta para a questão é a alternativa D, que considera que nenhuma afirmativa está correta. Vejamos.

Na II, a questão diz: “a informação entre parênteses se refere ao sentido de ‘originária’ como ‘aquilo que se levanta’, reforçando o sentido de emergir”.

Na verdade, o texto diz que, supostamente, “do movimento deveria emergir uma língua ‘originária’ (que a etimologia recuperaria)”. A informação entre parênteses claramente refere-se a “originária”, não a “emergir”. “Emergir” sim pode ser entendido como “aquilo que se levanta”, mas não “originária” (que é a língua “que a etimologia recuperaria”).

Ademais, pelo sentido do texto, a língua originária não é “aquilo que se levanta”, como diz o item II, porque isso reforça uma idéia de “atividade” (ação) que o autor não quis imprimir em seu texto. Na verdade, o que o autor diz é que um pressuposto do politicamente correto é que, se retirarmos as expressões ‘preconceituosas’, restará uma língua originária, que seria pura e neutra. Essa é a tese central do trecho, e do texto também.

Portanto, a língua originária emerge não porque “se levanta” (como diz a questão), mas porque as expressões ‘excedentes’ são excluídas. Para usar de uma metáfora, a língua originária não emerge porque se movimenta do fundo para a superfície de um rio, mas porque o rio foi se enxugando.

Como o item III está flagrantemente incorreto, a explicação acima (perfeitamente aceitável e adequada) era a única possível de se identificar para que se pudesse obter um gabarito possível, pois, estando a I e a III evidentemente equivocadas, todas deveriam estar, pois não havia alternativa que contemplasse apenas o item II como correto. Além disso, cremos ter apresentado justificativas por demais suficientes para que o item II seja considerado equivocado.

Vejamos, pois, o item III.

Esse item afirma que “as informações entre travessões e a entre parêntese apresentam o mesmo plano de produção de sentidos: o metalingüístico”.

Ora, metalinguagem é, em suma, usar a linguagem para explicar a própria linguagem. O exemplo mais repetido é o do dicionário: uma palavra explica a outra.

Roman Jakobson, em clássico texto que configura as funções da linguagem e que é fonte para o reconhecimento da metalinguagem, afirma que o foco em um dos elementos de uma comunicação realçaria uma das funções da linguagem. Assim, caso o foco da comunicação estivesse emissor, a função seria emotiva; no receptor, conativa ou apelativa; no referente, a função seria referencial; na mensagem, a função seria poética; no canal, a função seria fática; no código, a função seria metalingüística.

Ora, a banca desconsiderou a abordagem clássica e, até hoje, mais utilizada na identificação da função metalingüística, que nada mais é que usar o código (a língua portuguesa, no caso) para explicar o próprio código.

Vejamos, pois, tal definição, nas palavras do próprio autor:

A função metalingüística

Uma distinção foi feita, na Lógica moderna, entre dois níveis de linguagem, a "linguagem-objeto", que fala de objetos, e a "metalinguagem", que fala da linguagem. Mas a metalinguagem não é apenas um instrumento científico necessário, utilizado pelos lógicos e pelos lingüistas; desempenha também papel importante em nossa linguagem cotidiana. Como o Jourdain de Molière, que usava a prosa sem o saber, praticamos a metalinguagem sem nos dar conta do caráter metalingüístico de nossas operações. Sempre que o remetente e/ou o destinatário têm necessidade de verificar se estão usando o mesmo código, o discurso focaliza o CÓDIGO; desempenha uma função METALINGÜíSTICA (isto é, de glosa). (Roman Jakobson. Lingüística e Comunicação. São Paulo, Cultrix, 2005, p. 127).

Vejamos, agora, o texto analisado pela questão da prova objetiva:

“Em nenhum lugar se formula explicitamente uma tese sobre as línguas, alguma hipótese sobre o que teria sido uma língua sem essas características, ou o que é mesmo – se é que seria possível – uma língua expurgada de palavras ou expressões
preconceituosas. Às vezes, parece que do movimento deveria emergir uma vaga língua ‘originária’ (que a etimologia recuperaria), ou uma língua em que palavras são substituídas por descrições. Mas nada é claro, nenhuma tese é explicitada.” (grifos nossos)

A função metalingüística ocorre, no texto em análise, na informação entre parênteses (explica “originária”; ou seja, o código se volta ao próprio código), mas não ocorre no trecho entre travessões, subsequente a “mesmo” (que traz um dado novo).

O trecho entre travessões é, na verdade, um comentário do autor a respeito da frase, a saber, uma apreciação do autor; nas palavras de Jakobson, neste caso estamos diante de uma “linguagem-objeto”. É, portanto, um dado novo (nas palavras de Koch, goza de informatividade, ou seja, de novidade), não uma volta metalingüística em relação a uma informação já dita.

Estando, assim, não apenas o item I equivocado, como também o II e o III, pedimos vênia a estão renomada banca para discordarmos do gabarito inicial e propormos, em nome do maior interesse público, a alteração de gabarito da letra C para a D.


Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Conhecimentos Específicos. Questão: 29 – Mudança de gabarito.

29. Na pergunta da Fernanda [o texto não foi citado neste "blog" porque não era relevante para responder a questão], construções como “pra mim seguir em frente” e “namoraria comigo” devem ser trabalhadas pelo professor de Língua Portuguesa como:
(A) erros imperdoáveis.
(B) traços típicos da oralidade, aceitos num universo coloquial frouxo.
(C) formas que acabam sendo vistas com discriminação pela sociedade por não se adequarem à língua culta.
(D) formas aceitáveis, uma vez que a escola deve promover a libertação das amarras gramaticais.
(E) formas naturais entre jovens que deixam de aparecer na vida adulta, pois são facilmente corrigidas pela escola.

Gabarito inicial e final: C. A banca não acatou os recursos.

A banca considerou correta a afirmação de que as expressões “namoraria comigo” e “pra mim seguir em frente” são “formas que acabam sendo vistas com discriminação pela sociedade por não se adequarem à língua culta” (grifo nosso).

Há um evidente equívoco nesta afirmação. Vamos separá-la em duas partes:
1) são formas que não se adequam à língua culta
2) são formas que acabam sendo vistas com discriminação pela sociedade.

Quanto à primeira, podemos, a priori, aceitá-la, se entendermos que a banca adotou a perspectiva da gramática prescritiva mais conservadora, para quem a regência de “namorar” é “namorar alguém” e para quem é inadequado o uso do pronome oblíquo na função de sujeito.

O problema maior reside na segunda afirmativa (a que, no desmembramento que propusemos, chamamos de “2”) trazida pela alternativa C. Definitivamente, as duas formas não são vistas com discriminação pela sociedade, mas sim pelos gramáticos mais tradicionais. Tanto é que a grande maioria das pessoas aceita a regência “namorar com”; tanto aceitam que praticamente desconhecem a regência “namorar alguém”, no sentido de “manter uma relação amorosa”. O mesmo em relação à expressão “pra mim seguir em frente”.

Muitos gramáticos e lingüístas (mesmo os que dizem que a construção é equivocada) reconhecem que o uso de “namorar com” é muito difundido na oralidade e aceito pela maioria da sociedade. Ora, se o uso é amplo na sociedade, como dizer que esta sociedade discrimina esse uso? E, pior, como dizer que discrimina esse uso em qual seja o contexto, como pressupõe a alternativa dada inicialmente como certa pela banca?

Vejamos, por exemplo, o que diz o lingüista Sírio Possenti (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1768373-EI8425,00-Outra+nota+sobre+a+regencia+de+namorar.html):

“Se a escola não trabalhasse pela manutenção de estruturas mais conservadoras, "namorar", no sentido de 'ter uma relação amorosa', tenderia a ser (preferencialmente) "namorar com". E, no sentido de 'estar interessado', seria sempre, invariavelmente, como já é, namorar o/a. Não é o que as gramáticas dizem que ocorre (ou deveria ocorrer) com visar e assistir, por exemplo?”

Além do mais, ainda que entendamos “sociedade” como “sociedade letrada”, ou como “alta sociedade”, ou como “gramáticos” ou “lingüístas”, veríamos que há vários exemplos, além do supra-citado de Sírio Possenti, de estudiosos que reconhecem não só o uso reiterado como também a validade e correção do uso de “namorar com”.

Vide, por exemplo, o que diz a acepção 2 da entrada “namorar” do reputado Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (www.houaiss.uol.com.br):

“namorar
Acepções
■ verbo
(...)
2 flertar, namoriscar
Ex.: a estrela cinematográfica namorou (com) o playboy só para efeito de publicidade (...)” (grifo nosso).


Portanto, a alternativa C está em evidente descompasso não só em relação às teorias lingüísticas mais razoáveis, como também em relação a uma evidência empírica inegável: a de que os falantes de português do Brasil (em suma, a sociedade) não associam uma valoração negativa a construções como “namorar com” (se a questão dissesse que os gramáticos mais conservadores o fazem, a afirmativa seria aceitável).

A resposta correta da questão é a alternativa B.

Se entendermos a palvra "frouxo" no sentido de "não rígido" (sem valor pejorativo, portanto), é plenamente correto dizer que os textos de internet trazidos pela questão devem ser destacados, pelo professor, como detentor de “traços típicos da oralidade, aceitos num universo coloquial frouxo” (isto é, em um universo coloquial com grau mínimo de formalidade).

Marcos Bagno defende essa idéia (Preconceito lingüístico - o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999), ao afirmar que dadas situações mais ou menos formais regulam o registro lingüístico adequado. E que, dentro do registro coloquial, há gradações (ou seja, há uma coloquialidade menos “frouxa” e uma coloquialidade mais “frouxa”).

Uma coloquialidade mais rígida ocorre, por exemplo, em uma conversa informal entre amigos acadêmicos em um ambiente universitário. Uma coloquialidade menos rígida (mais “frouxa”, despido este termo de um sentido pejorativo) seria, por exemplo, na conversa doméstica entre dois irmãos. Tal coloquialidade pode ocorrer não só em relação à oralidade, como também em relação à escrita (por exemplo, em um bilhete doméstico de um irmão a outro).

Não há como negar que houve uma coloquialidade despreocupada (sem sentido pejorativo) na troca de mensagens apresentada pela questão, e que o internetês representa uma vertente coloquial da linguagem escrita. O fato de está coloquialidade ser mais ou menos “frouxa” não prejudica o entendimento da questão, a menos que entendamos que “frouxa” tenha exclusivamente uma conotação negativa, o que está longe de ser verdade:

“frouxo
Datação
sXV cf. FichIVPM

Acepções
■ adjetivo
1 que não está retesado
Ex.: um nó f.
2 que não é apertado; lasso, folgado, solto
Ex.: sapato f.” (Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa)


Portanto, penso serem nítidas a correção da alternativa B e a incorreção da alternativa C, razão pela qual compareço humildemente a esta douta banca para solicitar a alteração de gabarito.


Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Conhecimentos Específicos. Questão: 32 – Mudança de gabarito.

32. A respeito da forma naum na pergunta da Fernanda, é correto afirmar que:
(A) constitui uma grafia mais adequada à pronúncia no português brasileiro.
(B) constitui exemplo de internetês e pode ter sua origem explicada pela ausência do til nos primeiros ambientes da informática.
(C) é forma recente nos meios de bate-papo, surgida no contexto do que socioleto chamado miguxês.
(D) embora aparentemente incorreto, encontra validade no português arcaico, donde advém seu uso largo.
(E) é forma comum na Galícia e de lá se alastrou pelo uso amplo na Internet.

Gabarito inicial e final: B. A banca não acatou os recursos.


Afirmar que a ausência de til em NAUM “constitui exemplo de internetês e pode ter sua origem explicada pela ausência do til nos primeiros ambientes da informática” é de um senso comum invulgar, algo inusual para banca de tão alto calibre.

A banca considerou que a ocorrência de NAUM:

“B) constitui exemplo de internetês e pode ter sua origem explicada pela ausência do til nos primeiros ambientes da informática.”

Dizer que é exemplo do internetês, tudo bem. O problema é a continuidade da resposta.

O trecho final da alternativa B apresenta três sortes de erro:

1) Erro lingüístico:

É senso comum, fora do meio lingüístico, apresentar tal justificativa (a de que NAUM pode reportar-se à ausência de til nos primórdios da informática). Porém, estudos consistentes em “internetês” recusam abertamente tal hipótese, que busca explicar a ausência da acentuação por influência do inglês e da ausência de til nos primórdios da informática.

O fato é que os usuários, principalmente se considerarmos a nova geração deles, desconhecem essa memória, não sendo isso o que determine a ausência do til, e sim questões de praticidade e de marca de pertencimento a um grupo social (se o usuário escreve “NÃO” em uma sala de bate-papo de internet, pode ser indiretamente recriminado).

Pelo viés da gramática gerativa (Chomsky), é incorreto dizer que o português de hoje é o mesmo do de ontem; antes de tal afirmativa, é preciso ver se a estrutura é uma mesma ou se são duas. Pois, na superfície, a língua pode parecer uma só, enquanto que as justificativas geradoras (gerativas) para as frases são distintas.

A contrário senso, percebemos o equívoco de muitos gramáticos ao afirmarem que a ausência do til é um retorno ao português arcaico. Vide texto do gramático Sérgio Nogueira (http://colunas.g1.com.br/portugues/2006/11/01/ola-tudo-bem-9/):
O uso da letra “m” para substituir o til (naum = não) é um retorno às nossas raízes. Para quem não sabe, a origem do til é a letra “n”. Observe duas curiosidades: 1ª) em espanhol, o nosso VERÃO é “verano” e a forma verbal PÕE (do verbo PÔR) é “pone” (do verbo “PONER“); 2ª) o ditongo nasal decrescente /ão/ pode ser grafado “ão” (estão, cantarão) ou “am” (falam, cantaram), conforme a tonicidade.

Ora, parece-nos que, tão equivocado quanto dizer que NAUM tem seu fundamento de validade (“validade”, aqui, em sentido filosófico e não moral) no português arcaico (e a própria questão desprezou essa assertiva, contida no item D) é dizer que a ausência do til tem seu fundamento de validade na ausência desse diacrítico nos primórdios da informática; em ambos os casos, isso nos leva a supor que haveria uma memória ancestral (onde?) mal justificada cientificamente que nos leva às origens, mesmo em casos como o trazido pela questão. Há marcas comportamentais suficientes para supor que os interlocutores do diálogo sejam todos, ou quase todos, adolescentes; se isso é verdade, não seriam esses usuários contemporâneos a um ambiente em que a informática excluísse o til. Essa era a realidade de aplicativos em ambiente MS-DOS, superados desde 1995, com a entrada no mercado do Windows 95; portanto, antes da difusão da Internet e antes, provavelmente, de tais interlocutores terem sido alfabetizados e/ou terem sido adquirido um letramento digital.

2) Erro lógico:

Se é verdade que a ausência do til nos primórdios da informática é algo que pode (que é capaz de) explicar a grafia NAUM, seria também correto dizer que a grafia “encontra validade no português arcaico, donde advém uso largo” (letra D). Há, sim, ocorrência de NAUM no latim vulgar, embora seja difícil precisar se o seu uso era mais ou menos “largo”.

Como para cada questão somente pode haver uma alternativa que atende ao comando daquela, é forçoso reconhecer que a letra B e a letra E ou estão ambas corretas (o que não é possível), ou ambas equivocadas. Como não é possível que ambas estejam corretas, resta ao candidato, tão-somente, descartá-las.

3) Erro histórico:

Em relação à história da informática, quando a internet começou a se difundir no mercado brasileiro (final dos anos 90) o problema do til (apresentado pela alternativa dada inicialmente como gabarito) já não existia mais. Havia sido resolvido pelo Windows 95, inclusive para o seu sistema de arquivos (o sistema Virtual FAT, introduzido pelo Windows 95, passou a permitir a acentuação inclusive para os nomes de arquivos).

Os teclados padrão ABNT (e, depois, ABNT2) datam dessa época: são os dois modelos de teclado usados no Brasil que seguem o padrão QWERTY e apresentam a tecla “ç” e possuem outros diacríticos, como é o til.

* * *

A alternativa A diz que NAUM “constitui uma grafia mais adequada à pronúncia no português brasileiro”. Embora a grafia NAUM não reproduza fidedignamente a transcrição fonética desse vocábulo (e a alternativa não pede essa exatidão), é plenamente aceitável reconhecer que NAUM é mais proximo da pronúncia de /nãun/ que a grafia NÃO.

A alternativa, portanto, que melhor contempla o enunciado da questão é a letra A.


Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Conhecimentos Específicos. Questão: 25 – Anulação da questão.

25. “Curiosamente, é um pouco como reclamar de racismo ou de machismo, na medida em que não há instituições machistas ou racistas que se assumam como tais.” (L.34-36)
A respeito do período acima, analise as afirmativas a seguir:

I. A forma na medida em que é considerada galicismo pelos puristas.
II. Seria mais apropriado semanticamente no texto empregar a expressão à medida que, ao invés de na medida em que.
III. A melhor opção de tempo verbal a ser empregado com o verbo assumir é o presente do indicativo.
Assinale:
(A) se apenas as afirmativas I e II estiverem corretas.
(B) se apenas as afirmativas I e III estiverem corretas.
(C) se apenas as afirmativas II e III estiverem corretas.
(D) se nenhuma afirmativa estiver correta.
(E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

Gabarito inicial e final: D. A banca não acatou os recursos.

O gabarito inicial é a letra D, que afirma que nenhum dos três itens apresentados pela questão está correto.

Entendemos que o item III esteja adequado, ao afirmar: “A melhor opção de tempo verbal a ser empregado com o verbo assumir é o presente do indicativo”.

A frase em análise é: “... não há instituições machistas ou racistas que se assumam como tais”.

Ora, o item não diz que a frase original está incorreta; apenas diz que seria “melhor” substituir “assumam” por “assumem”.

A frase do autor é taxativa, não transmitindo idéia de incerteza ou possibilidade para que se justifique o verbo no subjuntivo. O autor é incisivo ao dizer que “não há instituição que se assumem como tais”, o que reforça a idéia de que, ainda que o verbo esteja no subjuntivo, a frase como um todo transmite a idéia de certeza. Ora, se isso é verdade, tão ou mais adequado estaria o emprego do verbo no próprio modo indicativo, que, de acordo com a Gramática Tradicional, é o modo mais condizente com a expressão da certeza.

É correto dizer que em orações subordinadas adverbiais iniciadas em “que” devem ter verbos no subjuntivo. Mas, essa exigência não se opera para a oração subordinada adjetiva restritiva, a qual, como seu próprio nome o diz, qualifica uma expressão da oração principal.

Tanto é que entendemos como perfeitamente aceitável uma frase como: “o livro que acabo de ler é excelente” (os dois verbos no indicativo, inclusive o verbo da oração subordinada).

E, como o autor é taxativo ao afirmar que “não há”, de acordo com os estudos de correlação verbal seria mais adequado utilizar uma forma indicativa para o verbo “assumir”. Essa construção seria uma “melhor opção” em termos de coerência, ainda que a opção original seja igualmente válida.

Atentemo-nos para uma diferenciação trazida pela autora Cláudia Koslowski, em seu “Curso de Português para Concursos”. Observemos as frases propostas pela autora, que, por apresentar uma estrutura similar à da frase proposta pela questão em epígrafe, em muito nos auxilia na compreensão desse fenômeno:

1) Quero um remédio que acaba com minha dor de cabeça.
2) Quero um remédio que acabe com minha dor de cabeça.

Diz a autora que, em 1, o verbo da oração subordinada quer transmitir uma idéia de certeza (indicativo), como se a pessoa quisesse reforçar a urgência do remédio. Em 2, o mesmo verbo quer transmitir a idéia de possibilidade (subjuntivo).

Ora, é exatamente o fenômeno da frase 1 que ocorre no item III apresentado pela questão. Como o autor quer reforçar a idéia de certeza, idéia esta muito coerente não só com o período mas também com todo o texto, parece-nos extremamente correto dizer que a proposta trazida pelo item melhor reflete uma correlação verbal (“há” – “assumem”) e melhor reflete a idéia de certeza que o autor quer passar (lembrando que o item não propõe que a forma original esteja incorreta). É ainda mais forte a idéia de certeza se nos atentarmos para o fato de que o sentido de “não há instituições machistas” transmite uma posição de certeza por parte do autor, que melhor se coadunaria com um verbo correlacionado também no modo indicativo.

“A melhor opção de tempo verbal a ser empregado com o verbo assumir é o presente do indicativo”, afirmativa perfeitamente coerente.

O gabarito inicial prejudica os candidatos que foram competentes para estabelecer tal correlação e que foram competentes para contextualizar gramática e texto, algo muito exigido pelos novos currículos acadêmicos, pelos PCNs e, por isso, algo muito desejável de se identificar em um aspirante a professor. A contrário senso, o gabarito inicial privilegia uma visão descontextualizada de gramática e premia os candidatos mais conservadores ou limitados que tomaram o texto e o autor como “autoridades”, sem se atentarem para uma rede mais complexa entre período, texto e sentido.

Desta forma, propomos a esta douta banca que avalie seu parecer sobre o item III, item que, estando correto, prejudicaria o gabarito e tornaria a questão sem resposta, o que resultaria na anulação da referida questão.

Cargo: Professor Adjunto II (Português – Anos Finais)
Disciplina: Conhecimentos Específicos. Questão: 50 – Mudança de gabarito.

Texto VI: Beatriz

Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz

Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha
Será que é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz

Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva para sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Ah, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz

Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se um arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida
(Chico Buarque e Edu Lobo)

50. A respeito do texto VI, analise as afirmativas a seguir:

I. Todas as ocorrências da palavra se no texto se classificam
como conjunção subordinativa condicional.
II. O texto é rico para trabalhar com os alunos as regras de
acentuação das oxítonas e dos monossílabos tônicos,
assim como as regras especiais.
III. O professor deve ter cuidado ao trabalhar o texto e alertar
para a inadequação de se utilizar, no contexto, o pronome
oblíquo átono iniciando oração.

Assinale:
(A) se apenas as afirmativas I e II estiverem corretas.
(B) se apenas as afirmativas I e III estiverem corretas.
(C) se apenas as afirmativas II e III estiverem corretas.
(D) se nenhuma afirmativa estiver correta.
(E) se todas as afirmativas estiverem corretas.

Gabarito inicial: B. Gabarito final: ANULADA. A banca acatou os recursos, mas deveria ter modificado o gabarito e não anulado a questão.

O gabarito inicial informa que os itens I e III estão corretos (letra B). Porém, a nosso ver, todos os itens (I, II e III) estão incorretos, de modo que o gabarito definitivo deveria ser a alternativa D.

Na I, é dito que “todas as ocorrências da palavra ‘se’ no texto se classificam como conjunção subordinativa condicional”. (grifo nosso)

Na verdade, há uma ocorrência de “se” como conjunção integrante:

“Diz se é perigoso a gente ser feliz”.

Temos um período composto por duas orações: Diz | se é perigoso a gente ser feliz.
Assim, a oração subordinada é substantiva objetiva direta (Diz ISSO). Ora, o “se” ou o “que” em início de oração subordinada substantiva é sempre conjunção integrante.

O “se” enquanto conjunção subordinativa condicional compõe as orações adverbiais condicionais, não as orações subordinadas substantivas.

Nesse sentido, ver FARACO & MOURA (“Gramática”. Editora Ática: SP, 2007):

“Conjunções subordinativas condicionais: Iniciam uma oração que indica condição ou hipótese para que o fato principal se realize ou não.
Conjunções: se, caso, etc.
Ex.: Se você nunca sentiu a sensação de acelerar com o vento batendo em seu rosto, compre correndo. (Quatro rodas)” (grifo nosso). (p.375).

Por sua vez,

“Conjunções integrantes: Iniciam uma oração que exerce função de sujeito, objeto direto, objeto indireto, predicativo, complemento nominal ou aposto de outra oração.
Diferentemente das demais conjunções, as conjunções integrantes não introduzem orações que indicam circunstância.

Conjunções: que, se.

Ex.:
É mito afirmar que não existem personagens complexos em novelas de televisão.
Gostaria de saber se você poderá ir à festa”. (grifo nosso) (idem, ibidem).


Assim sendo, propomos à douta banca que considere como equivocada a afirmação exposta no item I.

Na II, é dito que “o texto é rico para trabalhar com os alunos as regras de acentuação das oxítonas e dos monossílabos tônicos, assim como as regras especiais”.

Como o item I está incorreto (como apresentamos), restou ao candidato avaliar se a II e a III estavam ambas corretas, ou se estavam ambas incorretas, porque não havia alternativa em que constasse apenas um dos dois itens como certos.

O item II está incorreto, conforme afirmou a própria banca, através do gabarito inicial, motivo pelo qual não me deterei em discuti-lo.

O III, por sua vez, está flagramente incorreto (apesar de o gabarito oficial dá-lo como certo), porque usou de um preconceito lingüístico decorrente da gramática normativa e descontextualizada. Lembramos que, no edital, figurava o tema “preconceito lingüístico”, além de outros temas que sugeriam uma gramática mais contextualizada ao uso real e que soubesse diferenciar padrões escritos de orais, o que indicava que o perfil de candidato era aquele que, além de saber gramática, soubesse também criticá-la, a partir dos avanços das ciências lingüísticas (sociolingüística, pragmática, lingüística textual, estudo de gêneros etc.).

Devemos nos atentar para o fato de que o próprio enunciado do item III pede para que o candidato avalie a adequação gramatical no contexto: “O professor deve ter cuidado ao trabalhar o texto [“Beatriz”, de Chico Buarque] e alertar para a inadequação de se utilizar, no contexto, o pronome oblíquo átono iniciando oração”, diz o item III.

O item faz referência a construções sintáticas da canção como “Me ensina ensina a andar com os pés no chão”. Sabemos que a gramática tradicional recrimina o uso de pronome átono em início de oração. Porém, pelo contexto (isto é, da adequação lingüística ao contexto: à situação de produção, ao gênero etc.), o item não está, de forma alguma, errado, por dois motivos:

1) trata-se de uma canção, gênero textual e musical que tem um forte apelo oral;
2) o eu-lírico se dirige a Beatriz; sugere oralidade, apelo emotivo; ou seja, o autor pode estar querendo reproduzir uma construção sintática presente na oralidade e, sobretudo, na oralidade emotiva.
3) No contexto musical, haveria uma quebra melódica em várias ocorrências, se substituíssemos a próclise pela ênclise.

Nesse contexto, seria forçado o uso de ênclise, como pede a gramática tradicional. Assim já nos ensinava Oswald de Andrade no poema “Pronominais”, de uso tão reiterado no meio lingüístico sempre que se queira chamar a atenção de que há variações lingüísticas, de que há registros que são mais adequados que outros; em suma, de que não existe um jeito correto único.

Pronominais (Oswald de Andrade)

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro

Ora, a percepção de Oswald de Andrade é hoje ponto pacífico no meio lingüístico, e já vem sendo, gradativamente, adotado, inclusive, pelos gramáticos mais tradicionais. Esse debate, por ser tão atual nos meios acadêmico e educacional, é, por óbvio, do conhecimento desta tão douta banca, mas ainda assim convém que continuemos desenvolvendo nossa argumentação, em favor de uma maior clareza do que vínhamos expondo.

A respeito do tema, vejamos o que nos diz Marcos Bagno, em obra que é, indiscutivelmente, a de referência sobre o tema “Preconceito Lingüístico”, tema este que, inclusive, figurava no edital do concurso (Preconceito lingüístico - o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999):


Dentro desse conceito de “norma culta”, a proibição de começar um período com pronome oblíquo (Me empreste seu livro) é justificada com a afirmação de que em Portugal (!) ninguém fala assim. De igual modo, a recusa dos gramáticos conservadores em aceitar que em frases como Vende-se casas o pronome se desempenha uma função semelhante à de sujeito se baseia no fato de que, em latim (!!), o pronome se nunca exercia essa função. Dizer ou escrever eu prefiro mais X do que Y é um “pecado”, na opinião deles, porque o prefixo prae- em latim (!!!) funcionava para formar superlativos analíticos, contendo em si mesmo a idéia de “muito” ou “mais do que”... Além disso, é “errado” dizer outra alternativa porque alter em latim (!!!!) já significava “outro”. Mas desde quando nós falamos latim no Brasil? (p.107)


No mesmo texto, Bagno apresenta uma crítica a um gramático que procedeu tal como sugeria o item III da questão, a saber, emitir juízos descontextualizados acerca de (in)correções gramaticais em uma canção popular de Chico Buarque:

Essa mesma idealização da norma culta como um padrão lingüístico 100% “puro” — como uma pedra preciosa sem nenhuma jaça, como uma pepita de ouro livre de toda ganga — se verifica, por exemplo, num texto publicado por Pasquale Cipro Neto em sua página na revista Cult (n° 11, junho de 1998, p. 44). Para ele, os usos não-normativos de onde constituem uma “praga”. E o uso feito por Chico Buarque, numa canção, de onde no lugar de quando indica que o poeta-compositor “caiu na esparrela”.
Lemos no texto de Cipro que “a diferença entre onde e aonde também deixa muita gente de cabelo em pé”. [pg. 110] Depois de explicar o uso “correto” de cada uma das duas formas, ele diz que “mesmo em escritores renomados se
vê o emprego de onde e aonde sem critério”, e cita o exemplo do poema “A onda” de Manuel Bandeira, que escreveu: “Aonde anda a onda”. E chama a atenção para o fato de que “em termos de língua culta, para cada 99 ocorrências corretas de onde, há uma de aonde”. Diante dessa estatística (que ele cita sem indicar a fonte de seus dados nem a metodologia empregada para coletá-los), a lógica nos leva a concluir que o problema então não está na falta de “critério” dos falantes da norma culta, mas sim na concepção que o autor do texto tem de “língua culta”. Afinal, se Chico Buarque, Manuel Bandeira e Machado de Assis (que no poema “Niâni”, parte III, estrofe 2, escreveu:”Mas aonde te vais agora, / Onde vais, esposo meu?”) não servem como exemplos de usuários da “língua culta”, quem servirá?


No volume I da série “Gramática do Português Falado” (Gramática do português falado. Volume I: A ordem. Organização: Ataliba Teixeira de Castilho), temos vários exemplos de como pronomes oblíquos em início de frase são mais usados na oralidade culta (ou seja, por pessoas letradas, que conhecem gramática e que, na escrita, usariam a ênclise nesse caso) que a ênclise pregada pela gramática para a escrita.

Se o item III dissesse que “há incorreção gramatical”, tudo bem. Mas, o item III chama a atenção para o contexto de produção, razão pela qual nos parece incabível que tão douta banca continue a considerar o item como correto (vejamos, mais uma vez, o que dizia o item: “O professor deve ter cuidado ao trabalhar o texto e alertar para a inadequação de se utilizar, no contexto, o pronome oblíquo átono iniciando oração”; grifo nosso).

Além do mais, pelo viés da teoria da literatura a atitude proposta pelo item III também é condenável, porque implicaria destruir a obra, prejudicar seu ritmo, sua melodia, sua coloquialidade etc. Em suma, implica “matar” a obra.

É claro que o professor deve problematizar a questão: apresentar a visão da gramática tradicional, criticá-la, apresentar contextos e gêneros diversos em que a frase tal construção poderia ocorrer (se num requerimento formal, se numa canção, se num diálogo informal etc.). Agora, dizer que “O professor deve ter cuidado ao trabalhar o texto e alertar para a inadequação de se utilizar, no contexto, o pronome átono iniciando oração”, parece-nos ser uma afirmação totalmente incoerente com as novas abordagens metodológicas decorrentes dos principais referenciais teóricos da lingüística contemporânea.

Assim sendo, restando, além do item II, também os itens I e III equivocados, requeiro que esta tão qualificada banca altere o gabarito da letra B para a letra D.

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