Adanada
A Eva, Deus não fez de barranco:
- Mulher não é Estátua da Liberdade!
Achou-a mais poético da costela de Adão
e se exasperassem pela parte amputada
e se completassem na argamassa de maçã
Vejamos, também é coisa chã vir do barro...
às vezes me resseco e pra não trincar dão-me cápsulas de garoa
às vezes uns coronéis só aceitam me regar em troca de voto
às vezes me perfumo de vinho para dissuadir areia e escarro
Não há tanto mal em ser costela de Adão
A costela é que foi feita da mulher
depois da mulher é que a costela foi a costela
Se Deus fez assim foi para que a costela servisse à poesia
E Deus não deve ser machista, se homem Deus não é:
Deus é também mulher da costela do Nada
Do fetiche
de que vale a moto
sem batizar-se de
outdoor
a moto nunca engraxe
o moço nunca artrite
100cc menor é moto
fora de seu pedestal
ao sal do piche
enquanto desejo
eh astro ou vácuo
caspas nem atritos
arrebita o menino
a moto e o outdoor
mas se um dia a compra
pescoço já rebaixa
a própria moto já se sonha
já se encontra
noutra
fetiche do fetiche
A casa
Papelão na calçada
casaco a cachaça
menos que dorme um cão
que quarto de empregada
Arrebata cômodos
quarto, sala, penico
amada, amigos, urina
Se até a urina corroída
sem urina sem nada
Casaco a cacetada
cada esmero aquece
mais o esmeril esfole
Sem negro sem nada
Na rua dos lobos
por escolha pouca
é ele o zero
nele começa a alcatéia
de raça no leito
raça no peito do muro
seu CPF é o CEP da rua
inscrito no Livro dos Dias
mors ex-pressa
Tanto que sua morte
ainda que por atropelo
é vista sem pisoteio
Tanto que sua morte
ainda que estrebuchada
não sacoleja vara
Espessa é sua morte
somente se mutilada
Não pela humanidade
mas pela lógica devassada:
como assim dividir o nada?
Muito engraçada a casa
sem teto sem nada
por onde a frente fria entra
por onde um sopro escapa
Falcoaria
Falcão artificial
Não extravasa o muro
do quintal, nem do varal
a sua altitude
Crê que um grão mais ouro
se acha em cada espiga
Tem um itinerário cúbico
dentro da bolha de sabão
De unhas mais saúvas
que povoam a atmosfera
Só toma por porto o braço
Direito de seu mestre
com luva
Nesta, guarda o mestre
a obsessão por capturar
(por si ou por falcoarias)
o melhor ar, que até tape
o sopro de seu coração
À noite, colheita
Suas unhas por braços
e a viola por alçapão
Ó, pipa
Quis ele menino te desbicar
na goela de Ella Fitzgerald
Rincão em que o extraordinário
se abrigava quando ar
Tua vontade é duelo de outros
metade vento
metade linha
metade minha
Baldio ou filial
lodos e parafinas
choro entre a cera
em baldias madeiras
verniz desprepara
o sol mitiga, racha
anos adentram
criança entre caibros
não nascida
valoriza o terreno
maior o desuso
retorcido
ninguém nunca neve
more ali, somente acresça
desabrocha uma espinha
desconjunto
armazém das evitações
o império já habita
aquilo a sovaco
Grilo a Priscila
priscila, priscila
o grilo fixo pulveriza
no croqui da boca, estribilho
resquícios de um biscoito fino
priscila, priscila
no muro de casa funciona
uma campainha invertida
me avisa você de partida
Os espantalhos
Meu avô dominava a tecnologia de espantalhos
Fez um que com incenso na boca até tragava
Fez uma fêmea de cabelo de fogo que Nhô Bartô
amou sobre o leito de rúculas
Pensei que meu avô tivesse hortas por pretexto
Demorava-se mais agricultando gentes
Emprestou da biblioteca um Da Vinci
e escondeu na madrugada
(ou na própria Mococa)
essa herança
Não que precisasse dos préstimos humanos
Fazia público por precisão das economias
para mais se matutar no que lhe aprazia demasiado:
Ludibriar passarinho com requintes de crueldade
Quando aturdia que espantalho ia se empenhar nisso
e não ser conviva ou cortina para sala de visitas
meu avô cobrava menos que linhas e panos
Tanta encomenda que um canteiro era de espantalhos
Também havia encomenda de bonecas
gestadas de vestido por espantalha adulta
Meu avô dotava os passarinhos de nossa lógica
Espantalho já era a hortaliça que mais vendia
Um homem comprou de meu avô um maço
Um dos espantalhos tinha passaporte búlgaro
Outro trazia uma conta de luz que por vencer
Outro empinava papagaio e fazia bolhas de sabão
Outro fazia tenção de disparada atrás de folia de reis
Outro parou enxadada no ar em pose para Coimbra
Outro ouviu a história de Carmem e tinha olhar absorto
Nunca houve ali uma hortaliça ultrajada
Pássaros no ninho já medravam nesses deuses
A polícia um dia veio prender o meu avô
Não por formação de milícia contra os pássaros
Dizia-se que ele desesperançava homens e os empregava
Teatro do sétimo dia
O autor (aqui):
Preciso publicar isso em livro
E descansar, sossegar de debruns
Deus (Gn 1: 31):
Vejo que tudo é muito bom
Darwin (A origem das espécies, 1ª parte, § 2):
Deus depois retocou
Luís Antero Echeverría
que cesta diversa
no nome carrega
Luís Antero Echeverría
Cores sem critério
de acerolas a uvas
desmedidos sons
colidem-se frutas
de água e ezeite
de quinjica e poçoca
de zubu e mangau
No seu isopor
tamanho festival
aquarela e bistrô
um peito arsenal
Esgarçando vistas
vizinhas se cogitam
eleitas a visitas
Não só ele a tenha
do peito infinita
cesta das delícias
sem nenhuma cerca
são delícias enxertas
começa no queijo
e lhe arrebenta a nuca
começa na abóbora
e alcança uma grávida
começa na terra
e descansa domingo
começa na estufa
e se desdobra em varal
Por toda a vila
jamais retilíneo
entrega panfletos
de simples frescor
começa na Amanda
dona da quitanda
e acaba na Úrsula
de glote que ulula
Arbitrário
O poço artesiano
ocupa o centro de povoado em seca
Foi sabotado por pimenta
por monturo de unhas aparadas
à bala de fuzil
Nem por isso o fim do mundo
Nem por isso Deus castiga
Nem por isso a rebelião
O mundo não é onomatopéia
(soam o oposto no jogo de espelhos)
A artéria do fazendeiro não será obstruída
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