terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Classe operária (Tom Zé)

Sobe no palco o cantor engajado Tom Zé,
que vai defender a classe operária,
salvar a classe operária
e cantar o que é bom para a classe operária.

Nenhum operário foi consultado
não há nenhum operário no palco
talvez nem mesmo na platéia,
mas Tom Zé sabe o que é bom para os operários.

Os operários que se calem,
que procurem seu lugar, com sua ignorância,
porque Tom Zé e seus amigos
estão falando do dia que virá
e na felicidade dos operários.

Se continuarem assim,
todos os operários vão ser demitidos,
talvez até presos,
porque ficam atrapalhando
Tom Zé e o seu público, que estão cuidando
do paraíso da classe operária.

Distante e bondoso, Deus cuida de suas ovelhas,
mesmo que elas não entendam seus desígnios.
E assim, depois de determinar
qual é a política conveniente para a classe operária,
Tom Zé e o seu público se sentem reconfortados e felizes
e com o sentimento de culpa aliviado.

(Tom Zé, No Jardim da Política, 1998)

Esta canção marca um eu-lírico que se coloca dentro do domínio da política, mais precisamente dentro do campo discursivo da esquerda. Sim, eu-lírico porque supomos que, apesar de se dizer "Tom Zé", o "cantor engajado", a voz é de uma persona do poema / da letra da canção. O eu-lírico "Tom Zé" é um específico desta canção, ao passo que o autor Tom Zé (quis que isso figurasse sem aspas) é a porção de um sujeito (jurídico?) "realmente existente" que assina e responde por esta e outas canções.

Dentro do campo político e de esquerda, há uma polêmica, entre uma posição menos mediada, chamada, com certo caráter pejorativo, "esquerdista" (ver Lenin, "Esquerdismo, doença infantil do comunismo") ou "trotskista" (mesmo sem alguns desses trotskistas e quase todos os críticos dos trotskistas não conhecerem tanto Trotsky assim), e uma posição que se julga menos imperativa, mais construtivista e de estratégia mais consolidada (por exemplo, de linha gramsciana). No Brasil, essa disputa pode ser vista em vários momentos, como nas propostas que diferenciavam alguns grupos da esquerda armada e a Ação Popular e suas derivações (década de 1960).

Não vou entrar nessa polêmica, até porque houve muitos simulacros (no sentido de Maingueneau) na caracterização de um lado por outro: por exemplo, os chamados trotskistas denominavam seus opostos de "reformistas", "conservadores" e até "igrejeiros", ao passo que estes últimos denominavam aqueles de "inconseqüentes", "desraigados da realidade histórica e social" e até "loucos".

A crítica de Tom Zé estabelece uma intertextualidade explicita e de discurso convergente com o filme "A Classe Operária vai ao Paraíso" (La classe operaria va in paradiso; direção: Elio Petri. Itália, 1971), relação que não vou aprofundar aqui por ser nítida a quem assistir à película.

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