O título desta postagem foi uma chamada da Campanha de Vacinação contra a Pólio, de 16/06/2007. A chamada era rápida e integrava o rápido comercial do Governo Federal veiculado na TV, naquela mesma data do evento divulgado.
Se a chamada diz "vacine seu filho", seleciona como interlocutor ideal os pais; sabemos, pais que têm filhos dentro da faixa etária que deve tomar a tal vacina. Curiosa é a continuidade da chamada, que podemos desmembrar em dois enunciados. O "e" não só está ligando dois elementos desconexos, mas está funcionando como um marcador argumentativo: "temos dois bons motivos para que os senhores pais atendam o nosso pedido anterior: isso E MAIS isso".
"É de graça" é direcionado aos pais; não é preciso dizer que questões como o desemprego e a péssima distribuição de renda marginalizam uma significativa parcela da classe trabalhadora, mais especificamente do lúmpen. O "vacine seu filho" é para todos. O "é de graça" colocaria como interlocutor ideal os pais pobres; ou até os organizadores da Campanha quiseram dirigir-se aos pais que considerava "irresponsáveis" ou "mal-informados" (o que provavelmente não estaria, na imagem feita pela Campanha, fora do conjunto dos "pobres"), para quem a primeira chamada não bastaria. Seriam necessários argumentos; aqui, ligados pelo "e". Inclusive, pela brevidade da chamada, e pelo discurso da brevidade e da eficácia da propaganda em geral, imagina-se que os argumentos tenham que ser bons.
Poucos lugares substancializam seus interlocutores como a "boa" propaganda; embora muitas vezes o faça de forma preconceituosa ou acrítica (não estou dizendo que é o caso da peça publicitária aqui analisada), até por isso mesmo, é inegável que costuma funcionar. Tudo bem que algumas generalizações são inevitáveis, e na peça que aqui analisamos a causa é até nobre; queremos dizer que a propaganda, quase em geral, evidencia-nos que em toda interlocução há um jogo complexo de imagens. Ao dizer, o locutor faz uma imagem do seu interlocutor, e faz também uma imagem da imagem que o interlocutor faz do locutor. E vice-versa; poderíamos tomar a palavra "interlocutores" no sentido geral, para indeterminar quem fala e quem escuta, até porque são lugares que se alternam, e para reforçar que um fala no outro. Mas isso iria , para os limites desta postagem, trazer confusão, maior do que aquela do locutor-interlocutor. É claro que não estamos convocando todo esse jogo de imagens para esta nossa análise, mas apenas parte dele. E, também, queremos mais é pensar quais são os interlocutores evocados pela chamada que dá título a esta postagem.
O recado então vai restringindo os seus interlocutores e nos dando sinais da imagem que faz destes interlocutores: os pais em geral ("vacine seu filho"); os pais pobres, irresponsáveis ou mal-informados ("é de graça"). Com "não dói nada", entra algo novo; a restrição dita anteriormente talvez até continue, mas parece que um interlocutor novo é evocado. Os interlocutores talvez não sejam mais os pais (adultos), mas sim as crianças (estas, mais do que os pais, é que deveriam estão preocupadas se a vacina dói ou não). Mas, a chamada não expressou a mudança de interlocutor (por favor, não me digam que isso é problema de coerência textual; a coisa é mais complexa). "Não dói nada" é argumento a favor da vacinação, direcionado às crianças, e, ao mesmo tempo (por que não?), aos pais. Talvez agora a imagem dos pais seja a daqueles que não têm controle sobre seus filhos. Sendo ou não isso, "não dói nada" é, em última instância direcionado às crianças, do interesse das crianças; o que não impede que os pais (os interlocutores evocados no começo da chamada, e que continuam enquanto tal) façam a mediação entre a propaganda e os filhos.
Mantendo os pais como interlocutores, a propaganda não só diz algo, mas implicita um procedimento que os pais devem adotar com os filhos (imaginando que isso fará com que mais crianças sejam vacinadas), como se lhes dissesse: "´não dói nada´ é um argumento que os senhores pais devem usar junto aos seus filhos". Se "não dói nada", pressupomos que a vacina deva ser de gotinhas; e pressupomos isso a partir do ponto de vista da criança (outro sinal de que esta é a "destinatária" final), para quem uma agulhadinha doeria mais que para os adultos. O "nada" duplica a negação (e a negação da negação nem sempre é afirmação, como pretendem os lógicos), dando-lhe ênfase; e também faz com a frase se aproxime do jeito como os adultos falam com as crianças. O "não dói nada" é uma expressão já quase na boca dos pais, é um argumento da chamada destinado a ser um argumento aos pais. Podemos imaginar um pai dizendo aquilo, ou uma paráfrase daquilo com seus pressupostos: "vamos, não vai doer nada, é de gotinha".
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