Charges.com.br. "Na língua deles". 05/06/2007. http://charges.uol.com.br/2007/06/05/cotidiano-na-lingua-deles/
Clique hic et nunc para assistir a uma charge animada cuja cenografia é de uma matéria do Jornal Nacional. Uma daquelas típicas matérias de escuta (telefônica, no caso) entre interlocutores colarinhos-brancos tramando suas maracutaias. O engraçado é que o jeito de falar "é" do malandro classe-baixa, e as expressões para cifrar a conversa (algo que vemos sempre nesse tipo de gravação, algo que os interlocutores fazem para evitar ou pelo menos amenizar um possível flagrante, já antecipado por eles) são expressões em latim. O humor da charge se dá no encontro entre 1) o uso esperado: advogado e juiz falarem expressões em latim (e não falarem gírias "baixas"), e 2) a distorção desse uso: falarem expressões em latim a torto e a direito como forma de codificar o trambique, de trambicarem com "requintes de crueldade" (assim, pressupõe-se atributo de maior gravidade àquele crime, assim considerado).
As gírias (e aquelas gírias em específico), relacionadas em geral a pessoas de classe-baixa ou a pessoas de pouca escolarização, trazem um pressuposto traiçoeiro: trambicar é algo típico desse tipo de pessoa, tanto que falar gírias serve sub-repticiamente como atestado de que os advogados trambicam. Então, o título da charge não nos diz tudo: tudo bem que o latim pode ser uma "língua deles" (no sentido de "não nossa", mesmo que não se queira dizer que os advogados dominam tudo de latim), mas aquelas gírias não são da língua deles, mas sim de outros. O pressuposto é que falar gíria, e aquele tipo de gíria, é coisa de bandido, e, talvez, de bandido vulgar. E usar muitas expressões latinas pode implicitar a ilegalidade do que está sendo dito. São superiores vulgares.
E aqueles interlocutores falam muitas gírias e expressões latinas: a graça está também na hipérbole (no exagero significativo) e no contraste entre a gíria (com a prosódia tida como característica a seu favor; e esta gíria-prosódia seria esteriotipada como de pessoas de classe-baixa / pouca escolarização), e os termos latinos (que sugerem uma alta escolarização). A gíria e mesmo o uso exacerbado de expressões latinas colocam os interlocutores fora de seu dizer cotidiano, reforçando que, ao trambicarem, os doutores estão fora do lugar profissional e do ethos esperado de profissionais da área jurídica.
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